Nova York - A rede de lanchonetes Burger King tomou uma decisão drástica em agosto: depôs o rei -- o mascote que dançou em seus anúncios, em várias versões, durante mais de cinquenta anos. A mudança de marketing foi feita pela nova administração da empresa, escolhida depois que a 3G Capital Inc., uma empresa de investimentos com sede em Nova York e raízes no Brasil, fechou o capital da rede em 2010.
A compra da Burger King Holdings Inc. pela 3G Capital significa que a rede tem um novo monarca: Jorge Paulo Lemann, o fundador da 3G. Lemann, 72, é um ícone do mundo das finanças no país. Em 1971, quando o Brasil estava sob ditadura militar, ele fundou o primeiro banco de investimentos moderno do país, o Banco de Investimentos Garantia SA. Nas décadas que se seguiram, ele se tornou um dos homens de negócios mais bem sucedidos do Brasil.
A maior operação de Lemann: a aquisição por US$ 52 bilhões da Anheuser-Busch Cos. pela InBev NV em 2008.
A própria Inbev foi formada pela belga Interbrew SA e a brasileira Cia. de Bebidas das Américas, ou AmBev -- maior cervejaria da América do Sul e fonte de grande parte da fortuna de Lemann. Só a fatia de Lemann na Anheuser-Busch InBev NV foi avaliada em US$ 8,9 bilhões em meados de setembro, segundo dados compilados pela Bloomberg. O Burger King e outros ativos acrescentam vários bilhões.
A AB InBev é a maior cervejaria do mundo, com mais de 200 marcas, incluindo a Budweiser, cerveja mais vendida nos Estados Unidos; a Brahma e a Skol, líderes no Brasil, a Beck’s e a Stella Artois. Ao fundar a Anheuser Busch no século XIX, Adolphus Busch chamou a Bud de King of Beers -- Rei das Cervejas, um slogan que ainda aparece em várias embalagens de Budweiser.
Nova cultura corporativa
Um dos admiradores de Lemann é o magnata do petróleo e da mineração Eike Batista, o homem mais rico do Brasil segundo os dados da Bloomberg.
“O Jorge Paulo criou toda uma cultura de gerenciamento extraordinária no Brasil,” disse Batista, 54. “Motivacional, dividindo os lucros com os funcionários. Agressiva, mas que dá resultado.”
Lemann é discreto. Deu sua última entrevista para a mídia em 2008 e recusou-se a ser entrevistado para esta reportagem, assim como seus parceiros de longa data, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto da Veiga Sicupira.
Juntos, os três administram a 3G e a Stichting AK, empresa com sede na Holanda que tem uma participação de controle na Anheuser-Busch InBev. Através da 3G e outras empresas de capital fechado, eles também têm fatias na Lojas Americanas SA, varejista com sede no Rio de Janeiro; na São Carlos Empreendimentos e Participações SA, empresa imobiliária com sede em São Paulo, e na CSX Corp., uma das maiores empresas de transporte ferroviário de cargas dos EUA, com sede em Jacksonville, Flórida.
fatia de Telles na AB InBev estava avaliada em US$ 3,95 bilhões em meados de setembro e a de Sicupira, em US$ 3,2 bilhões, segundo os dados da Bloomberg.
“O foco deles não é cerveja”, disse Tom Pirko, fundador e presidente da Bevmark LLC, consultoria para os setores de alimentos e bebidas. “E o foco deles não são hambúrgueres. O foco deles é dinheiro. Eles sabem como cortar custos. Eles sabem como pressionar pelo que querem de forma bem agressiva.”
Lemann e seus sócios são conhecidos pelo seu estilo duro de administração, percebido logo depois de comprarem o Burger King por US$ 24 a ação da TPG Capital Inc., empresa de private equity com sede no Texas, e outros investores, e fecharem o seu capital em outubro de 2010.
No momento em que foi adquirida, a empresa ocupava um longíncuo terceiro lugar em receita e lucro atrás dos concorrentes McDonald’s Corp. e Wendy’s Co. -- e continuava perdendo terreno. Bernardo Hees, ex-diretor de operações da All América Latina Logística SA, empresa que Lemann e sócios já controlaram, foi nomeado presidente e rapidamente cortou centenas de empregos.
Venda cruzada
A maioria dos membros do conselho de administração renunciou e a nova diretoria encerrou o contrato com a agência de propaganda e marketing Crispin Porter & Bogusky LLC -- e depôs o rei-mascote.
Para Pirko não é coincidência que Lemann e seus sócios tenham primeiro adquirido uma fabricante de bebidas e depois uma rede de restaurantes. Eles já começaram as vendas cruzadas entre os dois negócios. Em abril, o Burger King assinou um contrato de exclusividade com a PepsiCo Inc. para fornecer refrigerantes em suas lanchonetes na América Latina e no Caribe. A Ambev é a produtora e distribuidora de produtos da Pepsi no Brasil.
Hees disse a investidores e analistas que seu plano é tornar a Burger King a marca líder na América Latina nos próximos cinco anos. Ele quer abrir 1.000 restaurantes só no Brasil, em comparação aos 108 que existiam em meados de setembro.
Pai suíço
Lemann, filho de um empresário suíço que emigrou para o Brasil, foi jogador de tênis professional antes de começar a trabalhar em finanças. Foi campeão brasileiro cinco vezes entre 1960 e 1972, segundo os dados da Confederação Brasileira de Tênis. Ele competiu na Copa Davis em 1962 pela Suíça -- ele possui dupla cidadania -- e em 1973 pelo Brasil.
Ao mesmo tempo em que se dedicava à sua carreira de tenista, Lemann cursou a Universidade de Harvard, e se formou economista em 1961. Durante alguns meses depois de se formar, ele trabalhou como colunista de finanças no Jornal do Brasil. Ele deixou o emprego porque trabalhava como corretor de ações ao mesmo tempo, o que o diretor de redação da época, Alberto Dines, considerou um conflito.
“Se ele tivesse continuado jornalista, ia ser um pobretão”, disse Dines, 79, que hoje é o editor responsável pelo website e programa de TV Observatório da Imprensa. “Eu o ajudei a ser um bilionário.”
Modelo do Goldman
Depois de dez anos em várias empresas de finanças, Lemann fundou o banco de investimentos Garantia em 1971. Os militares governavam o País e os mercados eram voláteis. Semanas depois de Lemann, então com 32 anos, ter fundado o banco, o mercado acionário brasileiro despencou 60 por cento -- e o banco de Lemann perdeu quase todo seu capital.
O banco sobreviveu, com Lemann criando uma cultura no estilo das grandes empresas de Wall Street, como o Goldman Sachs Group Inc., disse José Olympio Pereira, que começou sua carreira no Garantia em 1985 como analista de investimentos e saiu em 1998 como diretor de finanças corporativas. Ele agora é co- diretor de banco de investimentos do Credit Suisse Group AG no Brasil.
“O Garantia era o paraíso de quem é ambicioso, empreendedor”, disse Pereira. “Esse ‘vírus’ da cultura Garantia contagiou o mundo empresarial brasileiro. É impressionante o número de empresários com quem eu lido que admira o modelo Garantia e tenta adaptá-la aos seus negócios.”
Admiradores
Pereira é um em uma dezena de altos líderes empresariais e autoridades governamentais que começaram suas carreiras no Garantia. Outro é André Lara Resende, que comandou o Banco National de Desenvolvimento Econômico e Social até 1998 e ajudou a criar o Plano Real em 1994.
Outro ainda é Arminio Fraga, que foi economista-chefe do Garantia entre 1985 e 1988 e depois se tornou o presidente do Banco Central entre 1999 e 2002. Fraga é hoje o presidente do conselho da BM&FBovespa SA, operadora da maior bolsa de valores da América Latina, com sede em São Paulo.
Para Fraga, Lemann fez do Garantia a casa para os melhores e mais brilhantes profissionais do Brasil.
“Ele sempre liderou dando o exemplo”, disse Fraga. “Era uma cultura claramente meritocrática que era capaz de atrair e reter pessoas de grande talento, energia e disposição também.”
O Garantia ajudou multinacionais como a Colgate-Palmolive Co. e a Philip Morris International Inc., ambas com sede em Nova York, a fazer aquisições no Brasil. Em 1998, o banco foi adquirido pelo Credit Suisse por quase US$ 1 bilhão.
Interbrew e Ambev
Lemann, Sicupira e Telles então fundaram GP Investimentos, empresa de investimentos que venderam em 2004 para poder concentrar energias na fusão de US$ 11 bilhões entre a belga Interbrew e a brasileira AmBev.
Embora a nova empresa fosse baseada em Leuven, na Bélgica, os brasileiros logo assumiram o comando do que era então a segunda maior cervejaria do mundo. Eles rapidamente impuseram controles de custos. A produtividade dos funcionários da InBev, com medo de perder o emprego, aumentou significativamente, disse um ex-executivo da Interbrew, que trabalhava na empresa na época da fusão.
Na próxima jogada -- a final -- para criar a maior cervejaria do mundo, a InBev comprou a Anheuser-Busch, com sede em St. Louis, em 2008. Cerca de 1.400 pessoas logo perderam o emprego. Regalias que iam de vôos em classe executiva a BlackBerrys até caixas de cerveja de graça foram eliminadas, segundo uma pessoa próxima à empresa que disse não estar autorizada a falar publicamente.
Até o presidente executivo Carlos Alves de Brito, que antes presidiu a AmBev e comanda a megacervejaria desde a fusão, passou a voar na classe econômica.
Simplicidade
Antigos colegas dizem que Lemann é um executivo frugal que valorize a simplicidade. Ele não dirige carros esportivos nem coleciona obras de arte caras, dizem os amigos.
“Tudo que o Jorge Paulo não gostava, o que não fazia parte da cultura do Garantia era ostentação -- era aparecer, ser high profile”, disse Pereira.
O estilo de vida austero compensou num dia em particular, em meados da década de 80, em que Lemann estava dirigindo seu velho Volkswagen para uma praia no litoral do Rio de Janeiro e parou para abastecer, conta Claudio Haddad, presidente do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa em São Paulo e ex-presidente do Garantia. Enquanto Lemann abastecia, ladrões assaltaram o posto, ignorando totalmente o bilionário entre os demais clientes.
“Como ele estava vestido com simplicidade e dirigindo um Passat velho, eles pensaram que ele era um João-ninguém”, disse Haddad.
Poucas aparições
Os três filhos mais novos de Lemann com sua atual esposa passaram por uma situação de maior risco. Em 1999, o motorista os estava levando para a escola em um carro blindado quando sequestradores o interceptaram em uma rua de São Paulo. Oito tiros a curta distância atravessaram a janela, ferindo o motorista no braço. Ele conseguiu acelerar, e as crianças escaparam.
Desde então, Lemann e sua esposa, Suzanna, dividem o tempo entre a Suíca e o Brasil, e Lemann fez poucas aparições públicas, a não ser em eventos beneficientes. Nessas ocasiões, o ainda esbelto bilionário tenista come e bebe pouco.
As cervejas e os hambúrgueres que as suas empresas vendem são apenas para os clientes.
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