sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O dono do futebol

Com o crédito consignado, o BMG de Ricardo Guimarães se tornou o banco mais rentável do país. Mas há novos concorrentes nesse jogo, e as regras estão mudando. É aí que entram Atlético, Cruzeiro, São Paulo, Palmeiras, Santos, Flamengo, Vasco...

Ricardo Guimarães zapeava a televisão quando parou numa daquelas vigorosas peladas disputadas entre cabeças de bagre e pernas de pau. Estranhou o fato de o Duque de Caxias carregar no uniforme o logotipo do BMG, banco do qual é herdeiro, sócio e presidente. Não se lembrava de ter autorizado o patrocínio, embora até pudesse ser – financia tantas equipes de futebol, do ASA de Arapiraca ao Palmeiras, que podia lhe ter escapado o jovem time da Baixada Fluminense, fundado em 2005. Por via das dúvidas, consultou o responsável pelos contratos. Ouviu o seguinte: interessado em conseguir novos investidores, o Duque de Caxias estampara o logo por conta própria, fiando-se no poder de atração das três letrinhas laranjas que aparecem em nove das 21 camisas da primeira divisão do Campeonato Brasileiro. A estratégia do clube deu certo, pelo menos nesse quesito. Na disputa da série B, o Duque de Caxias, com desempenho de fazer corar até a estátua do patrono do Exército (uma única vitória até o fechamento desta edição), desfila agora um patrocínio de verdade – do próprio Banco BMG.
O mineiro Ricardo Annes Guimarães, de 50 anos, é um atleticano fanático, o que, bem sabem os boleiros, constitui uma redundância. Mas “o banco”, ele diz, “não torce, não tem clube, faz negócio e quer visibilidade”. Por isso o BMG, além de ser o acionista único de um fundo de investimentos que tem jogadores em diversas equipes, patrocina não apenas o Galo, presidido por Guimarães entre 2001 e 2006, mas o rival Cruzeiro – e também América-MG, Flamengo, Vasco, São Paulo, Palmeiras, Santos e Coritiba, todos da divisão de elite do futebol brasileiro. Na série B, Sport Recife, Grêmio Prudente (SP), Icasa (CE) e Boa (MG), além de ASA (AL) e Duque de Caxias, já rebaixado e detentor de todos os recordes negativos da temporada. Na série C, patrocina Ipatinga e mais três. Na D, a linha da miséria do ludopédio nacional, um Plácido de Castro Futebol Clube (AC) e mais quatro. Descendo a ladeira, o banco ainda opera a exemplo dos chilenos, ajudando a resgatar do fundo do poço mineiros como Fluminense de Araguari, Araxá e Uberaba, o América do Rio e outros 11 fora de séries.
Maior patrocinador do futebol brasileiro, o BMG estampa o uniforme de 39 clubes, seja em patrocínios de maior envergadura, em que a marca aparece no peito e nas costas, ou nos mais comedidos, em mangas de camisa. A exposição de seu logotipo financia, ainda, três equipes da Superliga masculina de vôlei e duas da feminina; três times de basquete, entre eles o Flamengo; a ginasta Jade Barbosa; o lutador Vitor Belfort. E até o apresentador Otávio Mesquita, convertido em piloto da Copa Mercedes, para o bem da audiência. O investimento na chancela esportiva chega a R$ 60 milhões anuais, mais de 90% de tudo o que o banco de Belo Horizonte destina ao marketing e à propaganda. “O futebol é caro, mas se fôssemos divulgar a marca com todo esse destaque que nos permite aparecer no Fantástico, no Jornal Nacional, na capa dos principais jornais, não teria dinheiro que bastasse”, diz Flávio Pentagna Guimarães, acionista majoritário do BMG, presidente do conselho e pai de Ricardo Guimarães. Aos 83 anos, “doutor Flávio” faz parte da segunda geração dos banqueiros de Minas, que dominaram o setor desde as primeiras décadas do século passado até o final dos anos 60, fomentando um dos ditos populares que enaltecem a discreta esperteza do mineiro – “aquele que vende queijos e possui bancos”.
Graças ao crédito consignado, o BMG alcançou o primeiro lugar entre os 20 bancos
mais rentáveis. Um cenário que deve mudar já em 2012

No caso dos Pentagna Guimarães, a situação é mais complexa: são mineiros que possuem um banco mas tudo o que vendem é o crédito consignado a servidores públicos municipais, estaduais e federais, além de aposentados e pensionistas do INSS. Esse tipo de operação, que tem baixo risco de inadimplência porque desconta as parcelas devedoras diretamente da folha de pagamento, movimenta hoje no Brasil cerca de R$ 130 bilhões, gerados por pelo menos 60 instituições financeiras. Desse montante, R$ 23 bi foram emprestados pelo BMG – 18% do mercado, perdendo apenas para o Banco do Brasil. São números que o levaram ao primeiro lugar no ranking dos 20 bancos mais rentáveis sobre o patrimônio em 2010, segundo o anuário Valor 1000. E que conferem ao BMG perto de 10% de todo o crédito à pessoa física gerado hoje no país, independentemente de sua modalidade.
Essa maravilha de cenário deve começar a mudar em 2012, impondo ao BMG o desafio de abrir novas fronteiras de atuação – sob pena de ser engolido pela concorrência das grandes instituições bancárias. Mudanças nas regras do Banco Central vão aumentar os custos na concessão do crédito consignado, impactando especialmente as operações de expansão dos bancos médios. A maior fiscalização dos correspondentes bancários e “pastinhas”, que vendem o produto no consagrado modelo da Avon, é outro entrave para o BMG, que não possui agências. Ao mesmo tempo em que a legislação impõe obstáculos, os bancos maiores demonstram apetite novo para o consignado – que, embora menos rentável, é menos arriscado. Gigantes do setor têm aumentado a originação própria desse tipo de crédito, além de pagar comissões cada vez mais gordas aos correspondentes. Em outra ponta, investem pesado em tecnologia, de forma a permitir que o público contrate o empréstimo nas agências e nos caixas eletrônicos, eliminando a figura do intermediário. É o caso, por exemplo, do Bradesco, que opera 50 mil folhas de pagamento, entre funcionários do setor público e privado. “Se trabalharmos eficientemente essa matéria-prima”, diz Fernando Perrelli, diretor da Bradesco Promotora, “vamos atingir 20% do mercado em até três anos”.
“Até aqui, o BMG foi muito bem-sucedido em sua estratégia de atuação no mercado”, afirma o ex-diretor do Unibanco Ricardo Mollo, professor de Finanças Corporativas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e especialista no setor bancário. “No entanto, a concentração quase exclusiva de sua atividade no consignado gera pelo menos dois efeitos negativos: o aumento do risco e a perda da oportunidade de fidelização do cliente, que só encontra outros produtos na concorrência.” Atento a isso, o BMG saiu às compras: no primeiro semestre deste ano, adquiriu o Banco Schahin e a GE Money do Brasil; há dois meses, anunciou uma parceria com a Icatu Seguros. São movimentos que abrem caminho para a diversificação. A partir do primeiro semestre de 2012, o banco passa a oferecer cartões de crédito, empréstimos convencionais a pessoas físicas, seguros e financiamento de veículos usados. “O consignado continuará sendo nosso principal produto”, diz Ricardo Guimarães, “mas esperamos que a médio prazo represente no máximo 70% dos negócios.”
  Getty Images
Na convocação de Mano para os jogos com a Argentina, em setembro, havia pelo menos cinco jogadores ligados ao banco, não propriamente ao de reservas: Réver (Atlético-MG), Dedé (Vasco), Danilo (Santos), Paulinho e Ralf (Corinthians). No lado adversário, Montillo (Cruzeiro). Atletas como Herrera (Botafogo), Willian e Leandro Castán (Corinthians) também são do BMG
 
A estratégia do futebol Foi justamente pensando na diversificação de seus produtos que o BMG resolveu, antes de qualquer coisa, vestir a camisa do futebol – com o patrocínio, adivinhe!, do Atlético-MG a partir de janeiro de 2010. “Lá atrás, isso já era parte da estratégia que hoje está sendo consolidada. A penetração que conseguimos com o consignado nos oferecia a base para crescer. Mas faltava o conhecimento da marca para além do funcionário público e do aposentado”, diz Guimarães. “Agora, quando o sujeito vir nosso cartão de crédito, vai dizer ‘ah, o BMG eu conheço’, e isso é graças ao futebol. São as três letrinhas laranjas, cor essa que todo time quer mudar mas a gente não aceita de jeito nenhum.”
Uma série de pesquisas da consultoria independente Sport+Markt, que monitora estratégias de investimento no marketing esportivo em todo o mundo, dá conta da eficiência do modelo de patrocínio pulverizado adotado pelo BMG. Em julho de 2009, o banco aparecia em 92º lugar num ranking de marcas associadas espontaneamente ao futebol brasileiro. Em março deste ano, chegou à 4ª posição, superando tradicionais investidores do esporte, como Adidas, Brahma, Skol, Coca-Cola, Petrobras, Fiat e Batavo. “O futebol é o meio mais rápido e eficiente de uma marca se tornar conhecida”, afirma Eduardo Rezende, sócio e vice-presidente comercial de produtos da Brunoro Sport Business (BSB). “Se a empresa quer ter uma atuação massiva, grandes equipes são imprescindíveis. Aliar isso ao patrocínio de pequenos clubes é uma maneira inteligente de trabalhar o marketing, conferindo importância a regiões específicas e falando diretamente ao coração de seus habitantes.” Rezende intermediou o contrato de patrocínio firmado entre Santos e BMG no início do ano.
No mercado do patrocínio de futebol, camisas de grandes clubes são mídias cada vez mais cobiçadas. Diferentemente do que acontecia até meados dos anos 2000, há um número crescente de empresas interessadas em atrelar sua marca ao esporte. “Antes, os clubes eram um manancial de problemas. Havia desde atrasos de salários e disputas trabalhistas até casos de polícia”, diz Ricardo Guimarães, com a experiência de quem presidiu o Atlético em fase turbulenta, quando o time acabou rebaixado à série B do Campeonato Brasileiro. “Diante dessa situação, as empresas ficavam temerosas.” É bem verdade que a administração da maioria dos clubes de futebol, tanto hoje como ontem, não faz inveja a nenhum botequim. Mas aspectos como a proibição da venda de bebidas nos estádios, a instalação de assentos ainda que chinfrins nas arquibancadas e a punição ao clube que permitir o chinelo de dedo na cabeça do adversário vieram trazer um mínimo de civilidade às arenas. Alie-se a isso a implantação do Estatuto do Torcedor, a escolha do Brasil como sede da Copa em 2014, a valorização dos direitos de transmissão dos jogos pela TV, o crescimento econômico – tudo concorre para o que Ricardo Guimarães chama, com boa vontade e alguma licença poética, de “enobrecimento” do futebol. O resultado disso se fez sentir no preço das camisas ofertadas aos patrocinadores. Durante sua gestão no Galo, Guimarães assinou seu melhor patrocínio com outro atleticano, o empresário Rubens Menin, dono da construtora MRV. O valor que o BMG paga hoje ao Atlético, apenas cinco anos depois, é 600% maior.
Balanço 1: Refém do consignado, o BMG busca a diversificação dos negócios. Para se tornar conhecido, vestiu primeiro a camisa de 39 clubes de futebol.
   Reprodução
 
Com um pé no futebol, por que não os dois? Em meados do ano passado, os sócios do BMG criaram o fundo de investimentos Soccer BR1, para operar a compra e venda de jogadores. Tinham em mente não apenas a necessidade de diversificação dos negócios do banco, mas a percepção de que o futebol brasileiro ainda vai se valorizar muito mais nos próximos anos. “Tem a ver também com o fato de que a gente gosta de futebol”, diz Ricardo Guimarães, “e acha que entende um pouco do assunto”. O BMG é cotista único do fundo, no qual investiu até agora perto de R$ 50 milhões. Não é dono sozinho do direito econômico de nenhum dos 60 jogadores que “possui” – seu modelo de negócio privilegia as participações, nunca superiores a 50%. Dessa forma, garante o interesse de outros sócios na venda do atleta, incluindo prioritariamente o clube onde ele atua. “Não adianta investir 100%”, afirma Guimarães, “porque, na hora de vender, o cartola diz: ‘Poxa, vou criar um desgaste com a torcida e não vou levar nada?’ Aí, faz de tudo para barrar a negociação”.
Com os jogadores em que tem participações, o BMG poderia montar uma seleção brasileira . Segundo Guimarães, o fundo tem “60% de atletas reconhecíveis por alguém que entende um pouco de futebol e 40% de jovens apostas”. Até agora, o banco já negociou 13 jogadores, com retorno médio 60% superior ao valor pago na compra. Do Cruzeiro, o BMG vendeu Gil e Henrique. Do Corinthians, Dentinho e Elias. “É mais ou menos como ação em bolsa de valores”, diz Guimarães. “Se um jogador aumenta o valor e você não realiza, pode perder a oportunidade.” O bom desempenho do fundo até aqui credencia o BMG a administrar o dinheiro de novos acionistas. “Estamos sendo estimulados pelo gestor a captar recursos. Isso significa abrir o fundo à participação de investidores qualificados, o que devemos fazer no próximo ano.”
  Unimed e Fluminense, em larga escala
O investimento na compra e venda de jogadores é feita hoje por meio de fundos como o Soccer BR1. Os grandes players desse mercado no Brasil são a Traffic, de J. Hawilla, e a DIS, de Delcir Sonda, dono da rede de supermercados Sonda. São grupos que não se veem como concorrentes – são muitas vezes sócios na composição do direito econômico do atleta. Para Ricardo Guimarães, “a Traffic é o modelo a ser observado”, embora o pai da matéria, o uruguaio Juan Figer, revele que “a operação para colocar Ronaldinho Gaúcho no Flamengo causou a J. Hawilla um prejuízo do qual será difícil se recuperar”.
Aos 78 anos, Figer continua na ativa como um dos maiores negociadores do futebol mundial. No passado, vendeu Klinsmann, Gullit, Lineker, Sócrates, Careca, Vialli, Dunga, Kaká, Robinho. Chegou a oferecer Diego Maradona, então com 15 anos, à Portuguesa de Desportos. Tem agora a missão de vender Neymar, “mas ele só sai do Santos depois da Libertadores de 2012”. Sua expertise no negócio diz que “fundos como o do BMG só conseguem sucesso se seus operadores tiverem grande conhecimento jurídico-desportivo, técnico e financeiro”. Para Eduardo Rezende, da BSB, o calcanhar de Aquiles desse mercado é justamente o que sobra a um banco, a estratégia financeira. “Essa parte”, ele diz, “é tratada com amadorismo por muitos investidores”. Rezende vê o ingresso do BMG no futebol como a repetição, em larga escala, do modelo adotado pela Unimed com relação ao Fluminense – ao mesmo tempo que patrocina a equipe, investe em seus jogadores. “Até agora, a atuação do BMG é promissora. Especialmente porque não incorre no erro que faz degringolar qualquer negócio desse tipo, que é a imposição de atletas do fundo à equipe patrocinada.”
“Em nosso modelo de negócio, o clube descobre o atleta, abre a negociação, e só nessa etapa nos convida a participar”, afirma Ricardo Guimarães. A partir daí, a proposta é levada a um comitê composto por seis pessoas: Guimarães, o vice Márcio Alaor de Araújo e quatro profissionais de mercado. O grupo faz sondagens externas, analisa o perfil do jogador, projeta sua valorização. Atletas na faixa dos 30 anos não interessam, motivo pelo qual não há dinheiro do BMG em craques recentemente repatriados, como Adriano, Fred e Ronaldinho. Uma pergunta-chave define a participação do banco no negócio: existe mercado para o jogador na Europa? A resposta nem sempre tem a ver com a qualidade técnica do atleta, e sim com o tipo de futebol que se pratica hoje no Velho Continente. “O jogador pode ser um grande craque, mas se for lento seu mercado na Europa se restringe”, diz Juan Figer. Um exemplo: “Paulo Henrique Ganso”.
Balanço 2: Na trilha da diversificação, o BMG é cotista único de um fundo de investimentos com participação em 60 jogadores. Um negócio com retorno superior a 60%.

No grupo BMG, os negócios extra-campo vão de pato a ganso. O banco concentra 60% do patrimônio familiar, embora tome 99% da força de trabalho dos Pentagna Guimarães. Flávio, o patriarca, é um interessado prospector de novas oportunidades sustentáveis. Aos 83, poderia dedicar-se a estar sentado em cima do dinheiro que herdou e ajudou a multiplicar – como de fato está, ao estilo Tio Patinhas, em um imaginativo folder interno do banco , em que a diretoria é retratada numa grande caricatura. Diferentemente disso, o doutor Flávio está lidando com moinhos de vento, literalmente e ao custo de R$ 299 milhões. Fruto do seu trabalho, o grupo saiu vitorioso de um leilão para a construção de quatro parques de energia eólica no Nordeste – dois no Ceará, dois no Rio Grande do Norte. Juntos, irão fornecer 330 mil MWh (megawattshora) por ano a partir de julho de 2014. O consórcio Famosa, formado pelo BMG e pela empresa de projetos Ventos Tecnologia, tem participação de 51% no negócio. Furnas, 49%.
A energia eólica é um mercado em ampla expansão no Brasil – tome-se por base a diferença entre os empréstimos liberados pelo BNDES para a instalação dos parques em 2010, R$ 649 milhões, e a projeção de fechamento desses números para 2011, na casa dos R$ 4,5 bilhões. Hoje, a energia eólica representa menos de 1% da matriz de geração nacional. Em 2014 esse percentual deverá ser de 5%. Os quase R$ 300 milhões que serão investidos pelo BMG nos parques do Nordeste correspondem ao maior investimento do grupo no ano que vem. “Nosso negócio é o banco. Em segundo lugar, esses novos projetos, como os parques de energia eólica e um fogão que meu pai desenvolveu junto com um cientista”, afirma. “Os outros negócios da família, queremos apenas tocar, não são para crescer nem disputar mercado.”
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Aos 83 anos, doutor Flávio, como é chamado no banco, tem se dedicado à inovação. E nesse afã arrematou a patente de um fogão a lenha capaz de armazenar energia, que pode ser usada para ligar eletrodomésticos ou lâmpadas. Cerca de 400 unidades do BMGLux já atendem seringueiros do Acre. Grupos indianos negociam a importação do equipamento
  E tem esses outros negócios aí...
Entenda-se por esses “outros negócios”, relegados a um terceiro plano, investimentos antigos feitos pela família nos setores imobiliário, industrial e agropecuário. No último, o grupo BMG atua desde os anos 70, em fazendas que exploram uma área total de 100 mil hectares dedicados prioritariamente à produção de grãos e ao desenvolvimento de pastagens na Bahia e em Minas Gerais. Contam 10 mil cabeças de gado de corte da raça nelore e 1,6 milhão de pés de café do cerrado, de alta qualidade. Se o interlocutor quiser saber mais sobre as fazendas, verá que Ricardo Guimarães tem certa dificuldade em enumerá-las e localizá-las no mapa. Não passa férias em nenhuma delas.
No campo industrial, os Pentagna Guimarães são donos da Brasfrigo e da Damp Electric. A primeira atua no ramo de alimentos em conserva – derivados de tomate, sopas, caldos e maionese. Num setor dominado principalmente pela Unilever, tem cerca de 6% do mercado nacional, onde vende as marcas Jurema, Jussara, TerraBella, Tomatino, Twist, Yep! e Tomate Pronto. A Damp Electric é uma aquisição recente – fabrica torres para linhas de transmissão de energia elétrica. Se o banco carece de uma maior diversificação, este não é o caso do resto do grupo. A Metal Company Brasil, outro de seus empreendimentos, distribui e vende produtos siderúrgicos e têxteis, de bobinas laminadas e chapas grossas a produtos de cama, mesa e banho que restaram da companhia Ferreira Guimarães. A fábrica de tecidos, que pertencia à família e faliu, é aquela do célebre comercial de TV dos anos 80 – que pode ser visto no Youtube “com aquela locutora de voz cavernosa que deve ter assustado muita criança”.
No setor imobiliário, o patrimônio acumulado pela família remonta à figura de Antônio Mourão Guimarães, o Totônio – filho do coronel Benjamin Ferreira Guimarães, pai do doutor Flávio e avô de Ricardo, que é a cara e a careca dele, uma coisa impressionante. Fundador do Banco de Minas Gerais (a sigla só passaria a nome oficial em 1963), Totônio era médico formado na Alemanha e um desacreditado comprador de terras. Pelo menos foi esta a carapuça que lhe serviu quando convocou o coronel seu pai para conhecer os 30 hectares que tinha acabado de adquirir nas redondezas de Belo Horizonte, numa região conhecida à época como Lagoa Seca. Ao ver toda aquela extensão de terra vermelha e pedregosa, onde não brotava sequer um ramo de braquiária, Benjamim Guimarães disse: “Totônio do céu, pelo amor de Deus, vende esse negócio para o primeiro que aparecer porque isso aqui não serve pra nada”. Totônio morreu em 1965 sem ter desfeito o negócio – ao contrário, comprara outras fazendas no entorno da cidade. Já com o nome de Belvedere, a Lagoa Seca começou a ser loteada por seus filhos a partir dos anos 70. Hoje é um dos bairros mais exclusivos de BH. Com exceção de dois irmãos de Ricardo, toda a família vive no Belvedere. Se os Pentagna Guimarães não fossem banqueiros, estariam ricos apenas com o dinheiro que fizeram – e ainda fazem – negociando as terras vermelhas e pedregosas que o Totônio comprou.
Quem primeiro começou a desenvolver o patrimônio da família foi Benjamin Ferreira Guimarães, mineiro de Bom Sucesso, tropeiro e comerciante de tecidos que certo dia resolveu fabricá-los por conta própria. Mudou-se então para Valença, no interior do Rio de Janeiro, onde montou a primeira fábrica da Ferreira Guimarães, em 1906. Seu amigo Vito Pentagna trilhou o mesmo caminho, fundando a companhia têxtil Santa Rosa. Do casamento de variados(as) Pentagnas com variados(as) Guimarães, nasceu o Totônio. Que foi parar em Belo Horizonte para tratar uma tuberculose, e de lá não mais saiu. Juntando amigos e parceiros, fundou o Banco de Minas Gerais em 1930, imitando os mineiros Clemente Faria (Banco da Lavoura, depois Real e Bandeirantes) e João Moreira Salles (Unibanco). No final dos anos 60, o BMG tinha cerca de 150 agências espalhadas pelo Brasil, ante 300 do Bradesco. Em 1974, deixou de operar o atendimento a correntistas, vendendo agências e carteira de clientes para o Real. Conforme os anos iam correndo, o núcleo familiar de Flávio, então presidente do banco, comprava dos primos e demais sócios suas partes no negócio. Hoje, perto de 99% da sociedade está dividida entre Flávio, seus quatro filhos e três netos. Os descendentes de amigos e parceiros do Totônio têm 1%.
Xico Buny
 

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